Despreocupadamente: Dignidade vs Poder

quarta-feira, julho 12, 2006

Dignidade vs Poder

Bom dia do Posto Informativo!

Em passagem pelo site do Público, descubro uma notícia que me chama particularmente a atenção, dado facto de ser catequista, como os amigos Despreocupados bem sabem:

Igreja vai divulgar instruções a católicos sobre reprodução assistida

Pois é, a Igreja assume mais uma vez uma posição, face a mais um problema social e, contestada ou não, não deixa de ser uma posição que nos deixa alerta para a problemática levantada pela nova lei permitindo o diagnóstico pré-implantatório, a criação de embriões excedentários, a doação de espermatozóides e ovócitos, abrindo também as portas à investigação com embriões excedentários.
Somos herdeiros das Lumières, período áureo da nossa História, no qual a razão substitui toda a qualquer outra explicação possível da realidade. O Homem, centro do conhecimento, enquanto ser dotado de razão e inteligência, assume as rédeas da História e, a partir de Descartes, reduzidos foram os períodos em que parou para alimentar esta História de valores éticos e morais e, ainda mais escassos, os momentos em que explicações transcendentais substituíram as racionais. O Homem pode tudo. Deus está morto. A liberdade e a inteligibilidade humanas são incontestáveis.

Hoje, aplica-se uma lei que permite a criação de seres humanos para fins específicos. Progresso. Sempre o progresso. Muitas doenças serão evitadas, muitas disfunções serão detectadas antes do desenvolvimento do embrião. Embriões excedentários possibilitarão o estudo da única matéria à qual o Homem ainda não tinha total acesso - a vida.
A Igreja assume a sua postura face a esta legislação: a dignidade:

"Cada órgão de soberania exerce a sua acção e os cristãos terão de se adaptar à realidade legislativa sem se socorrer daquilo que vai contra a dignidade humana", explicou o o prelado.O documento que será publicado em breve vem "dar orientações aos cristãos do ponto de vista ético e moral", incentivando-os "a não recorrer a todas as liberdades que a lei permite", já que algumas "vão contra a dignidade humana".

E nós? Que postura assumimos face a mais esta invasão à essência humana? Caminharemos para uma nova tecnocracia, governada pelos Senhores dos Embriões, meia dúzia de indíviduos responsáveis pelo destino de cada ser? Trata-se, dirão alguns, de uma visão redutora das magníficas possibilidades que a ciência nos oferece, mas se nos limitarmos a observar a realidade que nos envolve, constataremos imediatmente até onde a ciência nos levou. A mortalidade baixou drasticamente nos últimos 50 anos; as condições de vida de inúmeros povos melhoraram substancialmente; a era da informática é também a era da informação, o que nos abre o acesso a uma panóplia de vantagens, impensáveis há décadas atrás.
No entanto, a par destes índices, crescem também os índices de individualismo, indiferença, ambição. Munidos do mesmo desejo de poder de Adão e Eva, desbravamos terrenos desconhecidos e, cansados de manipular objectos, passamos a querer manipular vidas humanas. Até onde nos levará esta "ânsia de conhecimento"? Quais os limites a impôr a estas práticas que, no seio do benefício que trazem consigo, são portadoras de verticalidade nas relações entre os seres humanos, tornando um ser humano criador responsável pela sua criação? Poderemos ainda falar de igualdade, quando o nosso destino é decidido por outra pessoa? Seremos ainda pessoas, depois dessa decisão?
A Igreja fala de dignidade humana. Pensemos em cada um destes termos, antes de legislar sobre eles. Já sendo tarde, deixo-vos a reflexão sobre a possível futura utilização destes métodos, pois a ingenuidade de acreditar que se trata de mais uma possibilidade que devemos agradecer à ciência, já não tem lugar na tal era da informação. Já vimos que os interesses individuais ultrapassam, na grande parte dos casos, qualquer interesse colectivo. Será isto apenas mais um passo do progresso são da medicina, do conhecimento que o ser humano tem de si? Ou mais uma arma contra o único bem fortuito e igualitário que todos possuímos e que nos tem permitido tão maravilhosas realizações, justamente por nada podermos decidir a seu respeito?

A pensar... Bom dia para todos!

7 Comments:

At 12 julho, 2006 20:00, Blogger Green Tea said...

Ora a mim tb me toca, e mt. Pq a ciência me toca, e como diria Jean Guitton (eventualmente o senhor perdoar-me-á pois escrevo o seu nome de cor), a ciência e Deus não são irreconciliáveis. Quase serão inseparáveis, mas aqui já antevejo polémica.
Tudo o que sabemos e descobrimos pode ser usado a nosso favor, enquanto espécie, bem como contra nós, e a ciência disso é prova viva e permanentemente renascida. Amo a ciência, pelos horizontes que abre. Mas no que toca à vida, ou à Vida, como alguém diria, alto e pára o baile. Não pretendamos ser Deus, não pretendamos um admirável mundo novo como o previsto ficcionado, ou talvez não, por Huxley. Aqui o nosso conhecimento é tão limitado. Como nos casos de anemia falciforme ... q horror, uma doença, genética (bem a jeito), ninguém quer doenças. Ah, e se essa doença proteger o seu portador da malária? Ah, aí "'tá bem". E se o embriãozinho tiver um deslocamento cromossomático??? E uma trissomia, não só 21, mas XXY ou XYY??? Ah, é "doente". É "mau". Será? E quem somos nós para decidir?
A Igreja tem defendido a Vida e a sua dignidade de formas nem sempre entendidas, nomeadamente por culpa de alguns radicais pouco esclarecidos que se fazem ouvir mais alto do que a voz apóstólica, talvez mais frágil, mas mais próxima da verdadeira identidade da Igreja.
Falando em embriões ... foi S. Paulo que disse, "e eu, que sou um aborto". Ah pois é ...

Ora que post ...

 
At 13 julho, 2006 00:42, Blogger Lígia Mendes said...

Cris: já tinha a banhoca tomada, o pequeno-almoço no estômago e já estava na net há algum tempo a essas horas ;)

Ana: concordo contigo no que toca à Igreja, pois o mais frequente é esquecermo-nos de que a Igreja somos todos nós (ditos religiosos praticantes). A essência da Igreja é conhecida por todos, mesmo pelos não praticantes, pois é a Verdade intrínseca a cada um de nós. Dessa verdade, fazem parte várias peças fundamentais, nomeadas diferentemente por cada um. Para mim, a dignidade é, de facto, uma delas.

 
At 13 julho, 2006 01:20, Anonymous Anónimo said...

É ... a diferença entre a Instituição e o Corpo Místico de Cristo ...

eu sou Igreja, mas a mim so os meus miudos me ouvem (catequista tb deste lado ;)), só os meus amigos ... enfim.

*

(n me apetece fazer login)

 
At 13 julho, 2006 01:48, Blogger Lígia Mendes said...

:) Sem palavras... Eu sabia que havia algo, para além de tudo...

 
At 13 julho, 2006 02:29, Anonymous Anónimo said...

*sorriso ... mt grande mesmo*

 
At 12 agosto, 2006 22:03, Anonymous Anónimo said...

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